PITÁGORAS E A ESCOLA PITAGÓRICA

 

 

 

         Porque fala-se de pitagóricos em geral, e não de pitagóricos individuais?  Em primeiro lugar, não nos é possível distinguir Pitágoras dos pitagóricos, porque Pitágoras não escreveu nada, e dele pouquíssimo se sabe com precisão. A escola que ele fundou não tinha como principal escopo a pesquisa científica, mas a realização de determinado tipo de vida, com relação ao qual a pesquisa científica não era o fim, mas um meio de se chegar ao objetivo.

         Por esse motivo, a ciência era considerada um bem comum, ao qual todos os adeptos aspiravam e que todos buscavam incrementar, pesquisando e indagando juntos.  Essa característica de bem comum da ciência é que acarretou no anonimato das contribuições individuais.

         Aqui observamos que os pitagóricos constituíram um fenômeno não visto até então.  Eles estudavam e trabalhavam em equipe, eles formavam um todo sólido, indicando determinada orientação mental, certa visão da realidade sobre a qual concordavam homens de pátria e condições diferentes, fato tal que conferia-lhes grande respeito e prestígio.

         Pitágoras nasceu em Samos, em torno de 513 a.C. e sua escola foi fundada em Crotona, na Itália.  O nome Pitágoras vem de “pythia goras”, que significaria “guiado pelo espírito vidente”, visto que “pythia”, ou pitonisa, era o nome dado a misteriosa vidente ou profetiza do santuário de Delfos,e “goras” (guru, em sânscrito) significaria guiado ou conduzido.

         O princípio único (arché) para os pitagóricos foi atribuído ao número e aos elementos constitutivos do número.  Eles acreditavam que toda uma série de realidades e fenômenos naturais são traduzíveis por relações numéricas e representáveis de modo matemático, como os fenômenos musicais (quanto maior a espessura das cordas, mais grave é o som), os fenômenos do cosmo (periodicidade do movimento dos corpos celestes) e os fenômenos da vida (estações do ano, dia e noite, tempos de vida).

         Para entender a afirmação pitagórica que faz do número o princípio de todas as coisas, é necessário recuperar o sentido original e arcaico do número.  Para o antigo modo de pensar (e tal modo só seria corrigido por Aristóteles), o número é uma coisa real, antes, a mais real das coisas que, como tal, pode ser princípio constitutivo dos demais.

         Resumidamente, os números são agrupáveis em pares e ímpares, onde o um é exceção pois é capaz de gerar tanto o par como o ímpar.  Mas o par e o ímpar não são ainda os elementos últimos, que seriam o ilimitado (ou indeterminado, ou infinito) e o limite ou limitante (ou determinante), pela observação de que todas as coisas são finitas ou infinitas.

         Eles viam nos números pares uma espécie de florescimento do elemento indeterminado (:è), e nos ímpares uma espécie de florescimento do elemento determinado e determinante (:è:).

         Desta forma, o universo dos pitagóricos adquiria um novo sentido com relação ao dos jônicos (milesianos).  É um universo no qual os elementos contrastantes são pacificados em harmonia; é um universo constituído pelo número, com o número e segundo o número.  E assim fica claro que esse universo devia se tornar, para os pitagóricos, um “cosmos”, que significa ordem.  À ordem associa-se número e ao número associa-se racionalidade, cognoscibilidade e permeabilidade ao pensamento.

         A fé dos pitagóricos como fim dessa doutrina (e que a ciência como meio ajudava a alcançar) também foi muito produtiva. Pitágoras foi certamente o primeiro filósofo a ensinar a doutrina da metempsicose, influência do orfismo, seguramente anterior.  Resumidamente, trata-se da doutrina segundo a qual a alma é constrangida a reencarnar-se muitas vezes para expiar uma culpa original.

         Portanto, segundo ela, a alma é imortal, preexiste ao corpo e continua a subsistir depois do corpo.  A sua união com um corpo não só não é conforme à sua natureza, mas é até mesmo contrária.  A natureza da alma é divina e, portanto, eterna; enquanto a natureza de todo corpo é mortal e corruptível.

         O homem deve viver não em função do corpo, que é cárcere e prisão da alma, mas viver em função da alma.  E viver em função da alma significa viver uma vida que seja capaz de “purificá-la”.

         Segundo os órficos e os pitagóricos, a purificação é o meio para libertar a alma do ciclo de reencarnações e levá-la a unir-se com o divino ao qual pertence.  Entretanto, essas doutrinas divergem no meio de realizar a purificação da alma. Enquanto os órficos achavam que deviam elevar a alma gradativamente até sentir Deus em si e fazer-se um com ele, os pitagóricos atribuíam sobretudo à ciência a via de purificação.

         Essa fé como fim, fez dos pitagóricos os iniciadores do tipo de vida chamado de vida contemplativa, isto é, uma vida que busca a purificação da alma  pela contemplação da verdade.  Platão dá a esse tipo de vida a sua expressão mais perfeita no Górgias e, sobretudo, no Fédon.

         Se permanecermos no horizonte da filosofia pitagórica do número no âmbito de uma filosofia da physis, teremos problemas insuperáveis como a relação que as almas teriam com os números.  Para resolver essas dificuldades, a filosofia deverá extrapolar o horizonte da physis; é o que faz Platão ao empreender aquela que, com belíssima imagem, ele mesmo chamará de “segunda navegação”: deverá descobrir o supra-sensível.

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