PRÉ-SOCRÁTICOS

TALES, ANAXIMANDRO E ANAXÍMENES

 

 

 

         No princípio, vários sentimentos conduziram o homem à Filosofia, e o fizeram questionar sobre o que é a Natureza, o Universo e o seu papel em tudo isso.  É um dado da experiência mais imediata que o universo é constituído de uma multiplicidade de coisas ou de seres, que podem até conflitar entre si, mas que formam uma unidade sólida e harmoniosa (uno-verso).  Responder a pergunta do que e de como isso se originou é importante para o homem no sentido dele saber como se relacionar com o seu exterior.

         A physis (que pode ser traduzido por natureza mas, em um sentido mais amplo, significaria origem ou realidade) é o ponto chave desse questionamento.  Inquirir sobre a physis de algo era remontar à sua matriz primeira.  Inquirir sobre a physis, sem qualquer especificação, era então remontar a matriz primeiríssima de onde tudo brota.

         Para os gregos tudo vivia ou existia pela e na physis.  Na Jônia, por motivos sócio-econômicos (artesanato, comércio e contato com o estrangeiro), iniciou-se a racionalização sobre a origem da totalidade, desprezando as tradições míticas anteriores.  A busca pelo sentido de tudo será feita, não pela fantasia e o dinamismo que a caracteriza, mas pela razão, que é transparente a si mesma e que pode admitir apenas as interpretações que se julgarem lógicas.  Em suma, é na Jônia onde primeiro se observa tentativas de responder o que é a physis e do que ela é feita.

         O filósofo pré-socrático Tales, da cidade de Mileto na Jônia, foi o iniciador da filosofia da physis afirmando a existência de um princípio único e que tal  princípio era a Água. Como princípio único (que posteriormente seria chamado de Arché por Anaximandro), entendemos como a fonte ou origem, foz ou termo último, e permanente sustento (ou substância) de todas as coisas.

         Para Tales, tal princípio era a água.  Portanto, não aceitava-se mais representações extraídas da imaginação, nem figurações fantástico-poéticas: passou-se agora do mito ao lógos, acarretando naturalmente no nascimento da Filosofia.

         A afirmação de Tales de que tudo se origina da água pode parecer ingênua, mas a sua intuição é coerente com o fato de que a vida surgiu na água (teoria unanimemente aceita nos dias de hoje).

         Foi Anaximandro quem introduziu o termo Arché para designar a realidade primeira e última de todas as coisas.  Ele foi mais profundo do que Tales ao afirmar que tal princípio era o Ápeiron (sem “peras”, limites ou determinações, tanto externas como internas), o infinito, ilimitado ou indeterminado, ao invés da água de Tales.

         O fato do princípio gerar e abraçar infinitos universos, e não ser determinável como a água, torna-o espacialmente infinito e qualitativamente indeterminado, sem princípio nem fim, ingênito e imperecível, e, por isso mesmo, pode ser o princípio das outras coisas.

         Seria um erro negar importância religiosa a essa sublime concepção do divino, pois é incontestável que não se pode dar nenhuma forma superior de religião sem a idéia do infinito e do indeterminado.  Tales e Anaximandro também afirmaram que tudo estava cheio de deuses, ou seja, tudo é divino por ser manifestação do princípio divino infinito.

         O que caracteriza a concepção do divino em Anaximandro é o naturalismo em lugar de ver no divino a outra dimensão do mundo; eles vêem nele a própria essência do mundo, a physis de todas as coisas.  O divino deixou de ser transcendente para se tornar imanente.

         Anaximandro tenta também explicar como todas as coisas nascem do infinito (Ápeiron).  Isso aconteceria por um processo de separação ou um destacamento dos contrários (quente-frio, seco-úmido) do princípio uno, segundo uma razão intelectual, ou movimento eterno, gerado talvez pela tendência dos contrários de se impor um ao outro.  Vale ressaltar a coerência dessa intuição com os dados da ciência moderna, no sentido da matéria ser formada pelo movimento de partes opostas (próton-elétron, ...)

         Anaximandro ainda afirmaria que os primeiros animais nasceram no elemento líquido e, pouco a pouco, vieram para o ambiente seco, mudando o seu modo de viver por um processo de adaptação ao ambiente, extremamente coerente com as teorias evolucionistas de Charles Darwin.  Ele afirmaria também que a Terra não tem necessidade de uma sustentação material e se sustenta por equilíbrio de forças, também coerente com a teoria gravitacional de Isaac Newton.  Essas afirmações mostram o quanto o lógos se distanciou do mito com Anaximandro.

         Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, corrige a teoria do mestre em alguns pontos, principalmente no que diz respeito ao princípio, e em como as coisas são geradas a partir dele.  Ele afirma que o princípio é determinado, e que é o Ar, ar infinito.

         As razões que levaram Anaxímenes a modificar o princípio do seu mestre seria por não se compreender bem de que modo os contrários gerariam as várias coisas.  Ele então buscou uma outra solução, colocando o ar como Arché, porque o ar, melhor que qualquer outra coisa, se presta à variações, e também devido a necessidade vital deste para os seres vivos.

         Anaxímenes determina também qual é o processo que do Ar faz derivar todas as coisas: trata-se da rarefação e da condensação.  A rarefação do ar daria origem ao fogo e a sua condensação daria origem à água e depois à terra.  Em outros aspectos, ele permaneceu fiel a filosofia do mestre.

         Anaxímenes, com sua filosofia, influenciou os antigos muito mais que os seus predecessores (Tales e Anaximandro), exatamente pela introdução do processo de rarefação e condensação, fornecendo a causa dinâmica que faz todas as coisas derivarem do princípio uno, da qual Tales não tinha mencionado, e Anaximandro só soube determinar inspirando-se em concepções órficas.  Ele fornece portanto uma causa que está em perfeita harmonia com o princípio uno, tornando assim o naturalismo jônico plenamente coerente com as próprias premissas.

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