HERÁCLITO DE
ÉFESO
Heráclito de Éfeso é um dos filósofos pré-socráticos mais importantes. Ele leva o discurso filosófico de Tales, Anaximandro e Anaxímenes a posições decididamente mais avançadas e em grande parte novas. Os três jônicos interessaram-se pelo problema da physis, constatando o dinamismo universal da realidade. Todavia eles não explicitaram e não tematizaram este aspecto preciso da realidade e nem puderam refletir sobre as múltiplas implicações desse mesmo aspecto. Foi o que fez Heráclito.
Em primeiro lugar, ele chamou a atenção para a perene mobilidade de todas as coisas. Segundo ele, nada permanece imóvel e nada permanece em estado de fixidez e estabilidade, mas tudo se move, tudo muda, tudo se transforma, sem cessar e sem exceção ("tudo flui"), recordando a futura e famosa afirmação de Lavoisier. Para ele, só o devir das coisas é permanente, no sentido de que as coisas não tem realidade senão justamente no perene devir.
Entretanto a filosofia de Heráclito está bem longe de se reduzir a mera proclamação do fluxo universal das coisas: esta é a constatação de partida. Para Heráclito, o devir é um contínuo conflito dos contrários que se alternam, é uma perene luta de um contra o outro, uma guerra perpétua. E como as coisas só têm realidade no perene devir, essa guerra se revela como o fundamento da realidade das coisas.
No entanto, essa guerra é ao mesmo tempo paz e harmonia, fazendo com que o fluir perene das coisas e o universal devir se revelem na síntese dos contrários, tornando-se o perene pacificador dos beligerantes.
Segundo Heráclito, a multiplicidade das coisas se recolhe numa unidade dinâmica superior, conforme suas próprias palavras: "De todas as coisas o um e do um todas as coisas". É na síntese dos opostos que está o princípio que explica toda a realidade e, por isso mesmo, é exatamente nisso que consiste Deus ou o divino. Deus é a harmonia dos contrários, a unidade dos opostos.
Mas, enquanto nos jônicos não se atribuía inteligência ao primeiro princípio divino, fica claro que Heráclito a tenha atribuído como podemos ver em suas próprias palavras: "A natureza humana não possui conhecimentos, a natureza divina sim" e em "Só existe uma sabedoria: reconhecer a inteligência que governa todas as coisas através de todas as coisas".
Heráclito chamou este seu princípio de lógos e, para ele, a verdade não pode consistir senão em captar, entender e exprimir esse lógos comum a todas as coisas. Por conseqüência desse entendimento, compreende-se a sua desconfiança nos sentidos e nas opiniões comuns dos homens, desprezando o saber dos outros filósofos.
Heráclito expressou também alguns pensamentos sobre a alma, que vão além de seus predecessores. Assim como os jônicos, ele identificou a natureza da alma com a natureza do princípio, mas adicionou a idéia de que a alma possui propriedades completamente diferentes do corpo como em: "Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu lógos". Com isso ele quer dizer que a alma estende-se ao infinito justamente ao contrário do que é físico.
Finalmente
para Heráclito, a felicidade não pode consistir nos prazeres do corpo, como ele
afirma de forma sublime em "Difícil
é a luta contra o desejo, pois o que este quer, compra-o a preço da alma",
adivinhando o núcleo da ética ascética do Fédon
de Platão, onde saciar o corpo significa perder a alma.