SANTO AGOSTINHO

ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DE SUA DOUTRINA

 

 

 

         Santo Agostinho converteu-se ao Cristianismo no ano 386 da era cristã, aos 32 anos de idade.  Antes de sua conversão, Agostinho procurou a sabedoria através da filosofia.  Primeiramente com o Maniqueísmo de Fausto (doutrina que prega a existência absoluta do bem e do mal), e depois com o Neoplatonismo de Plotino.

         Após sua conversão, ele organizou uma espécie de comunidade monástica, onde pretendia passar o resto da vida em recolhimento, aprofundando a vocação religiosa e fundamentando racionalmente a fé que abraçara.

         Entre as principais obras de Agostinho, situam-se: Contra os Acadêmicos (386), Solilóquios (387), Do Livre Arbítrio (388-395), De Magistro (389), Confissões (400), Espírito e Letra (412), A Cidade de Deus (413-426) e As Retratações (413-426).

         Em seus escritos, Agostinho sintetizou os componentes da filosofia Patrística como fundamento racional da fé cristã.  À síntese que realizou, ele mesmo denominou de filosofia cristã.

         Para Agostinho, a fé e a razão complementam-se na busca da felicidade e da beatitude.  A beatitude, para ele, não é alcançada por procedimento intelectual, mas por ato de intuição e fé.  Mas a razão se relaciona com a fé no sentido de provar a sua correção.  Ou seja, a fé é precedida por certo trabalho da razão e, após obtê-la, a razão a sedimenta.

         A razão relaciona-se, portanto, duplamente com a fé. É necessário compreender para crer, e crer para compreender.  Aqui percebe-se que, para Agostinho, a filosofia é apenas um instrumento destinado a um fim que transcende seus próprios limites: a Teologia e a Mística. Apesar disso, Agostinho é considerado um grande filósofo pela penetração filosófica na análise de alguns problemas e na sua grandiosa concepção do mundo, do homem e de Deus.

 

         O primeiro problema filosófico, focalizado por Agostinho, logo após a conversão, foi o dos fundamentos do conhecimento, devido a teoria corrente na época de que não é possível encontrar um critério de evidência absoluta e indiscutível, causado pela variabilidade dos sentidos.

         Agostinho resolveu esse problema no diálogo Contra os Acadêmicos.  O erro para ele provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias.  A sensação enquanto tal jamais é falsa.  Posteriormente, na Cidade de Deus, Agostinho levou tal argumentação às últimas consequências e antecipou a reflexão cartesiana, formulada doze séculos depois: “Se eu me engano, eu sou, pois aquele que não é não pode ser enganado”.  Com isso, atingia a certeza da própria existência.

         Essa primeira certeza permitia a revelação da própria essência do ser humano, ou seja, o homem seria sobretudo um ser pensante e seu pensamento não se confundiria com a materialidade do corpo.

         Tal concepção do homem provinha de Platão, para o qual o homem é definido como uma alma que se serve de um corpo.  Agostinho mantém esse conceito com todas as consequências lógicas que ele comporta.  Assim o verdadeiro conhecimento não seria a apreensão de objetos exteriores ao sujeito, devido a sua variabilidade, e sim, a descoberta de regras imutáveis, como o princípio ético segundo o qual é necessário fazer o bem e evitar o mal. Tal conhecimento se refere a realidades não sensíveis cujo caráter fundamental seria a necessidade, pois são o que são e não podiam ser diferentes.

         Da necessidade do conhecimento decorreria a sua imutabilidade e, desta, a sua eternidade.  Tal conclusão revela dois tipos de conhecimento: um limitado aos sentidos e referente a objetos exteriores ou suas imagens, e outro que constitui a verdade.

         Essa verificação permite a indagação se o próprio homem é a fonte dos conhecimentos perfeitos.  Sendo o homem tão mutável quanto as coisas dadas à percepção, ele se inclina reverente diante da verdade que o domina.  Assim, só haveria uma resposta possível: a aceitação de que alguma coisa transcende a alma individual e dá fundamento à verdade, Deus.

         Para explicar como é possível ao homem receber de Deus o conhecimento das verdades eternas, Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina.  Entender algo inteligivelmente eqüivaleria a extrair da alma sua própria inteligibilidade e nada se poderia conhecer intelectualmente que já não se possuísse antes, de modo infuso.

         A semelhança nesse ponto entre Platão e Agostinho, só é desfeita ao compreender a percepção do inteligível na alma, não como uma descoberta de um conteúdo passado, mas como irradiação divina no presente.  A luz eterna da razão que procede de Deus atua a todo momento, possibilitando o conhecimento das verdades eternas.

         A iluminação divina, contudo, não dispensa o homem de ter um intelecto próprio.  Ela teria a função de tornar o intelecto capaz de pensar corretamente em virtude de uma ordem natural estabelecida por Deus.

         No conhecimento das verdades eternas, a própria luz não é vista, mas serve apenas para iluminar as idéias.  Um outro tipo de conhecimento seria aquele no qual o homem contempla a luz divina, olhando o próprio “sol”: a experiência mística.

         A experiência mística revelaria ao homem a existência de Deus e levaria à descoberta dos conhecimentos necessários, eternos e imutáveis existentes na alma.  Deus, assim encontrado, é ao mesmo tempo uma realidade imanente e transcendente ao pensamento.

         Mas, por outro lado, a natureza divina escaparia ao alcance do homem.  Deus é inefável e mais fácil é dizer o que Ele não é do que tentar defini-lo.

         Segundo Agostinho, a melhor forma de designá-lo é a encontrada no livro Êxodo: “Eu sou o que sou”.  Deus seria a realidade total e plena, a “essentia” no mais alto grau.

         Agostinho concebe a unidade divina não como vazia e inerte (como defendia Parmênides de Eléia), mas como plena, viva e guardando dentro de si a multiplicidade.  Deus compreende três aspectos: Pai, Filho e Espírito Santo.  O Pai é a essência divina em sua insondável profundidade; o Filho é o verbo, lógos, a razão ou a verdade, através da qual Deus se manifesta; o Espírito Santo é o amor, mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres.

         A partir dessa concepção de Deus, Agostinho constrói a doutrina metafísica do bem e do mal, revelando mais uma vez sua dependência filosófica em relação ao neoplatonismo de Plotino.

         Tudo aquilo que é, é necessariamente bom, pois a idéia de bem está implicada na idéia de ser.  Deus, portanto, não é a causa do mal, da mesma forma que a matéria também não poderia produzi-lo, pois ela é criatura de Deus.  A natureza do mal deve ser encontrado, portanto, no conceito absolutamente contrário ao conceito de Deus como ser, ou seja, no não-ser. O mal fica, assim, destituído de toda a substancialidade.  Ele seria apenas a privação do bem.  Não existem, como queriam os maniqueus, dois princípios poderosos a reger o mundo, mas tão somente um: Deus, infinitamente bom.

         Deus é a bondade absoluta e o homem é o réprobo miserável condenado à danação eterna e só recuperável mediante a graça divina; Eis o cerne da antropologia agostiniana.

         O homem, feito a semelhança de Deus, desdobra-se em correspondência com a Trindade.  As expressões dessa correspondência encontram-se na alma humana: a própria alma (Pai), a razão (Filho) e a fé ou vontade (Espírito Santo).

         De todas essas faculdades, a mais importante é a vontade, pois sendo essencialmente criadora e livre, possibilita ao homem aproximar-se ou afastar-se de Deus.  Reside aqui a essência do pecado.

         O pecado é, segundo Agostinho, uma transgressão da lei divina, na medida em que a alma foi criada por Deus para reger o corpo, e o homem, fazendo mal uso do livre arbítrio, inverte essa relação, subordinando a alma ao corpo e caindo na concupiscência e na ignorância.

         Voltada para a matéria, a alma se acaba pelo contato com o sensível, dando a ele sua substância, esvaindo-se no não-ser e considerando-se a si mesma como um corpo.

         No estado de decadência em que se encontra, a alma não pode salvar-se por suas próprias forças.  A queda do homem é de inteira responsabilidade do livre arbítrio humano, mas este não é suficiente para fazê-lo retornar às origens divinas. Tal poder é privilégio de Deus.

         Chega-se assim à doutrina agostiniana da predestinação e da graça, intensamente combatida pelo monge Pelágio e seus seguidores, na qual nem todos os homens recebem a graça das mãos de Deus.  Apenas alguns eleitos que estão, portanto, predestinados a salvação. Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos”.

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